Tradução: Lourdes Modesto

BRAND, Dionne. Bread out of stone: recollections on sex, recognitions, race, dreaming and politics. [s.l.]: Vintade Canada, 1998. p. 195-196.

Toda palavra converge em si mesma, toda palavra cai após ser dita. Nenhuma das respostas que eu dei durante os anos é a verdadeira. Aquelas respostas foram dadas como uma guerrilheira com seu rosto num lenço, seus olhos imóveis. Ela está imóvel, pronta para um movimento rápido, mas imóvel. Suas botas firmes, a areia embaixo das botas se espalha e empoeira. Mas os olhos dela estão imóveis. E eu tenho respondido como um prisioneiro responde à um interrogatório, contando apenas o suficiente para acalmar o interrogador e só o suficiente para traçar uma história para que ela possa repetir sem deixar nada de fora e sem se contradizer da próxima vez que tiver que contar de novo. Eu tenho dito a eles as mesmas coisas de novo e de novo, e eu direi a eles de novo quando eles perguntarem porque eles só perguntam as mesmas coisas, como de onde eu sou e se eu os odeio.
Mas se eu pudesse me dar um momento, eu diria que tem sido um alívio escrever poesia, tem sido um espaço para que eu viva.
Eu vivi momentos em que a vida do meu povo era tão difícil de suportar que a poesia parecia inútil, e eu digo que não há momento em que eu não pense nisso agora. Às vezes tem sido mais crucial ceifar a grama alta num campo em Marigot; às vezes tem sido mais importante entender como uma mulher sem documentos em Toronto pode ter seu bebê sem ser pega e deportada; às vezes tem sido mais útil organizar uma manifestação em frente a estação policial nas ruas Bay e College. Frequentemente não há qualquer razão para escrever poesia. Há dias em que eu não consigo pensar em nenhuma pequena razão para escrever sobre esta vida.
Há uma fotografia minha de quando eu tinha quatro anos. Eu estou de pé ao lado da minha irmãzinha e da minha prima. Minha irmã mais velha está na foto também. Eu não pareço comigo mesma, exceto por minhas pernas, que eram curvas e ainda são. Minha irmãzinha está chorando, seus dedos em sua boca, e minha prima parece atordoada, como se ela tivesse sido jogada na foto. Minha irmã mais velha está alta e esbelta, indicando o glamour que viria descrever a sua vida. Ela parece Nancy Wilson. Sapatos pretos de vinil, vestido branco com decote canoa. Eu estou olhando para a câmera, minha boca aberta. Estou segurando um chocalho, balançando na foto, para que a minha irmãzinha parasse de chorar. Eu pareço estar tentando fazer com que essa foto funcione. Eu lembro do momento, de conscientemente me aprontar, segurar o chocalho, ser chamada para o ato, dizer para a minha irmãzinha não chore, veja, não chore. Meus olhos na foto não são como os de uma garotinha, eles parecem sensatos, imóveis. Os olhos da minha irmãzinha estão lacrimejantes; os da minha prima, assustados; os da minha irmã mais velha, tristes. Os meus, imóveis. Observando. Eu lembro de observar. De saber que esta era uma ocasião de cuidar de nós mesmas e de segurar o chocalho para que a minha irmã não chorasse. Eu só reconheço minhas pernas e meus olhos. Imóveis. Atentos. 
Se eu pudesse ter um segundo. Sacudindo a areia dos meus sapatos. A poesia está aqui, exatamente aqui. Algo lutando contra a forma como vivemos, algo perigoso, algo honesto.