Tradução: Lourdes Modesto
Walker, Alice. In search of our mother’s gardens. [s.l.]: Orion books, [s.d.], posições 3282-3472. [Kindle ebook]
Eu descrevi sua própria natureza e temperamento. Disse como precisavam de uma vida maior para sua própria expressão… Eu apontei que suas emoções haviam transbordado em caminhos que as dissiparam, em vez de nos canais apropriados. Eu falei, belamente pensei, sobre uma arte que nasceria, uma arte que abriria o caminho para mulheres como ela. Eu pedi para que ela desejasse e construísse uma vida interior contra a vinda daquele dia… Eu cantei, com um estranho tremor na minha voz, uma promessa em canção.
Jean toomer, “avey”
cane
O poeta conversando com uma prostituta que cai no sono
enquanto ele fala –
Quando o poeta Jean Toomer caminhou pelo Sul no começo dos anos 20, ele descobriu uma coisa curiosa: mulheres negras cuja espiritualidade era tão intensa, tão profunda, tão inconsciente, que elas mesmas não tinham plena consciência da riqueza que carregavam. Elas tropeçavam cegamente pelas suas vidas: criaturas de corpos tão abusados e mutilados, tão e embaraçadas e confusas pela dor, que elas se consideravam indignas até de fé. Nas abstrações abnegadas, seus corpos se tornavam mais do que “objetos sexuais” para os homens que as usavam, mais que meras mulheres: elas se tornavam “Santas”. Em vez de serem percebidas como pessoas inteiras, seus corpos se tornavam santuários: suas mentes se tornavam templos dignos de adoração. Estas Santas loucas olhavam fixamente para o mundo, selvagens, como loucas – ou quietamente, com suicidas; e o “Deus” frente ao seu olhar era tão mudo como uma grande rocha.
Quem eram estas Santas?
Estas loucas, tolas, pobres mulheres?
Algumas delas, sem dúvida,
eram nossas mães e avós.
É assim que elas pareciam
para Jean Toomer, ainda no calor do Sul pós-reconstrução: borboletas
extraordinárias presas num mel cruel, labutando para viver suas vidas numa era,
num século, que não as reconhecia, exceto como “as mulas do mundo”. Elas tinham sonhos que ninguém conhecia – nem elas
mesmas, ao menos de forma coerente – e tinham visões que ninguém entendia. Elas
vagavam ou sentavam pela roça murmurando canções de ninar para fantasmas, e
desenhando a mãe de Cristo com carvão nas paredes dos fóruns.
Elas forçavam suas mentes
para fora dos seus corpos e seus espíritos vigorosos buscavam se levantar do
chão duro de barro vermelho, como frágeis redemoinhos. E quando aqueles frágeis
redemoinhos caiam, em partículas despedaçadas, sobre o solo, ninguém lamentava.
Ao contrário, homens acendiam velas para celebrar o vazio que permanecera, como
as pessoas que entram num espaço bonito, mas vazio, fazem, buscando ressuscitar
um Deus.
Nossas mães e avós,
algumas delas: dançavam músicas que ainda não tinham sido escritas. E elas esperaram.
Elas esperaram pelo dia em
que a coisa desconhecida dentro delas seria compreendida, mas imaginaram, em
algum lugar da sua escuridão, que no dia da sua revelação, elas já estariam
mortas há muito tempo. Entretanto, para Toomer elas caminhavam, até mesmo
corriam, em slow motion. Porque elas
não iam imediatamente para algum lugar e o futuro não estava ainda ao alcance
delas. E homens tomaram nossas mães e avós, “mas não tiveram nenhum prazer nisso.”
Tão complexa era a paixão e calma delas.
Para Toomer, elas permaneceram
desocupadas e inativas como campos de outono, a colheita sempre distante: e ele
as viu entrar em casamentos sem amor, sem alegria; e tornarem-se prostitutas,
sem resistência; e tornarem-se mães, sem se preencher.
Pois estas, nossas avós e
mães, não eram Santas, mas Artistas; levadas à loucura e ao entorpecimento
porque as fontes de criatividade dentro delas não podiam ser extravasadas. Elas
eram Criadoras que viviam em desperdício espiritual por serem tão ricas em
espiritualidade – que é a base da Arte – que lidar com seus talentos indesejado
e sem uso levou-as a loucura. Jogar fora esta espiritualidade era a tentativa
patética para aliviar o peso das suas almas, para que seus corpos cansados e
sexualmente abusados pudessem aguentar.
O que significava ser uma
artista negra no tempo das nossas avós? E no tempo das nossas bisavós? É uma
pergunta cuja resposta é cruel o suficiente para parar o coração.
Você teve uma tataravó
genial que morreu sob algum olhar branco ignorante e depravado? Ou que era
convidada a fazer biscoitos para um vagabundo preguiçoso enquanto ela clamava
em sua alma a vontade de fazer aquarelas do pôr do sol ou da chuva caindo nas
pastagens verdes e calmas? Ou que o corpo foi destruído e forçado a ter
crianças (que eram vendidas e levadas para longe delas mais que frequentemente)
– oito, dez, quinze, vinte crianças – quando sua única alegria era a ideia de
modelar figuras heroicas em pedra ou em barro?
Como a criatividade da
mulher negra deveria permanecer negra, ano após ano, século após século,
quando, na maior parte do tempo em que pessoas negras estiveram na América, uma
pessoa negra lendo ou escrevendo era crime? E a liberdade de pintar, esculpir,
expandir a mente com ação não existia. Imagine, se você puder imaginar, o que
deve ter acontecido se cantar, também, tivesse sido proibido por lei. Ouvir as
vozes de Bessie Smith, Billie Holiday, Nina Simone, Roberta Flack e Aretha
Franklin, entre outras, e imagine essas vozes abafadas para sempre. E então
você poderá começar a entender as vidas das nossas “loucas”, “santificadas”
mães e avós. A agonia das vidas das mulheres que podem ter sido poetas,
novelistas, ensaístas e contistas (durante séculos), que morreram com seus dons
presos dentro delas.
E, se esse é o fim da
história, nós teríamos por que chorar na minha paráfrase do grande poema de
Okot p’Bitek:
Oh,
minhas comadres
Vamos
todas chorar juntas!
Venham
Vamos
lamentar a morte da nossa mãe,
A
morte de uma Rainha
A
cinza produzida
Por
uma grande fogueira!
Oh,
estes lares estão totalmente mortos
Fechem
os portões
Com
espinhos lacari
Porque
nossa mãe
A
criadora do trono se foi!
E
todas as jovens mulheres
Pereceram
na selva
Mas este não é o final da
história, pois nem todas as jovens mulheres – nossas mães e avós, nós mesmas – pereceram na selva. E se
nos perguntarmos o porquê, e buscarmos pela resposta, nós saberemos,
ultrapassando todos os esforços de apagar da nossa mente, exatamente quem, e de
quê, nós mulheres negras Americanas somos.
Um exemplo, talvez o mais
patético, o mais incompreendido, pode mostrar uma gota do trabalho das nossas
mães: Phillis Wheatley, uma escrava de 1700.
Virginia Woolf, no seu
livro Um teto todo seu, escreveu que para que uma mulher escreva ficção
ela deve ter, certamente, duas coisas: um teto todo seu (com chave e fechadura)
e dinheiro o suficiente para se sustentar.
Então o que dizer de
Phillis Wheatley, uma escrava, que não possuía nem a si mesma? Uma enferma e frágil
menina negra que às vezes precisava até de alguém que a servisse – tão precária
era sua saúde – e que, se tivesse sido branca, seria facilmente considerada
intelectualmente superior a todas as mulheres e à maioria dos homens da
sociedade de sua época.
Virginia Woolf escreveu
ainda mais, não falando da nossa Phillis, que “qualquer mulher nascida com um
dom no século XVI [insira “século XVIII”, insira “mulher negra”, insira
“nascida ou tornada escrava”] teria certamente enlouquecido, atirado em si
mesma, ou terminado seus dias numa cabana solitária fora da vila, meio bruxa,
meio feiticeira [insira “Santa”], temida e alvo de zombaria. Porque é preciso
pouca habilidade e psicologia para ter certeza que uma menina altamente dotada
que tentou usar seu dom para poesia terminaria tão frustrada e impedida por
instintos divergentes [adicione “correntes, armas, o chicote, ter seu corpo
como posse de outrem, submissão a uma religião alheia”], que ela certamente
perderia sua saúde e sua sanidade.
As palavras-chave, no que
se relacionam a Phillis, são “instintos contrários”. Pois quando nós lemos a
poesia de Phillis Wheatley – como quando nós lemos os romances de Nella Larsen
ou a autobiografia que soa estranhamente falsa da escritora negra mais livre de
todas, Zora Hurston – a evidência do “instinto contrário” está por toda parte.
Sua lealdade estava completamente dividida, e da mesma forma, sem
questionamento, sua mente.
Mas como poderia ter sido
de outra forma? Capturada aos sete anos, uma escrava de uma família rica, brancos
adoráveis que incutiram nela a “selvageria” africana de onde eles a
“resgataram”… imagino se ela era capar de lembrar da sua terra natal da forma
que ela tinha conhecido ou da forma que sua terra realmente era.
Contudo, por ela tentar
usar seu dom da poesia em um mundo que tinha feito dela uma escrava, ela era
“tão frustrada e perturbada por … instintos contrários, que ela … perdeu
sua saúde…”. Nos últimos anos da sua breve vida, sobrecarregada com a
necessidade de expressar seu dom e com uma “liberdade” sem dinheiro e sem
amigos e várias crianças para quem ela devia trabalhar vigorosamente para
alimentar, ela perdeu sua saúde, certamente. Sofrendo de má nutrição e
negligenciada, além de padecer de sabe se lá quais agonias mentais, Phillis
Wheatley morreu.
A negra, raptada,
escravizada Phillis foi tão despedaçada pelos “instintos contrários” que sua
descrição da “Deusa” – como ela chamava poeticamente a Liberdade que não teve –
é ironicamente, cruelmente humorística.
E, de fato, manteve
Phillis ridicularizada por mais de um século. Ela é normalmente lida para
perpetuar a memória de Phillis como a de uma mulher tola. Ela escreveu:
A Deusa vem, ela se move divinamente cândida,
Azeitonas e louros
amarram seu cabelo dourado.
Onde quer que
brilhe essa nativa dos céus,
A Deusa vem, ela
se move divinamente cândida,
Azeitonas e louros
amarram seu cabelo dourado.
Inúmeros encantos
e graças nascem. [Meu itálico]
É óbvio que Phillis, a
escrava, penteava o cabelo da “Deusa” todas as manhãs; talvez antes de trazer o
leite ou preparar o almoço da sua sinhá. Ela pegava suas metáforas da única
coisa que via como estando acima de todos os outros.
Sabendo o que sabemos
hoje, nos perguntamos: “Como ela conseguiu?”
Mas finalmente, Phillis,
nós entendemos. Nenhum riso em relação à suas linhas rígidas, difíceis,
ambivalente nos é forçado. Nós sabemos hoje que você não foi uma idiota ou uma
traidora; apenas uma pequena menina negra adoentada, tirada de sua casa e do
seu país e escravizada; uma mulher que ainda lutava para cantar a canção que
foi seu dom, mesmo que numa terra de bárbaros que te louvavam por sua língua
confusa. Você não cantou muito, mas manteve vivo, como muitos dos seus
ancestrais, a noção da canção.
As mulheres negras são
chamadas, no folclore que aptamente identifica o status de alguém na sociedade,
como “a mula do mundo”, porque nos foi dado o fardo que todas as outras pessoas
– quaisquer outras pessoas – se recusaram carregar. Também nos chamam de
“Matriarcas” “Supermulheres” e “Vadias Más e Cruéis”. Sem mencionar
“Castradoras” e “Mamães de Sapphire”. Quando clamamos por compreensão, nosso
caráter foi distorcido; quando pedimos que simplesmente se importassem, nos
deram apelos emocionalmente vazios e depois nos jogaram no canto mais
esquecido. Quando pedimos amor, nos foi dado filhos. Ou seja, mesmo nossos
presentes mais singelos, nossas labutas de fidelidade e amor, foram silenciados
em nossas gargantas. Ser uma artista negra, mesmo hoje em dia, rebaixa nosso
status de muitas formas, em vez de aumentá-lo: e mesmo assim, seremos artistas.
Portanto, nós devemos nos
impor e buscar e identificar com nossas vidas a criatividade vibrante que
algumas das nossas bisavós não tiveram permissão de conhecer. Eu pontuo algumas
delas porque é bem sabido que a maioria das nossas bisavós sabiam, mesmo sem
“saber”, a realidade da sua espiritualidade, mesmo que elas não pudessem reconhecê-la
para além das canções na igreja – e elas nunca tiveram sequer intenção de
desistir desta espiritualidade.
Como elas conseguiram –
os milhões de mulheres que não eram Phillis Wheatley, ou Lucy Terry, ou Frances
Harper, ou Zora Hurston, ou Nella Larsen, ou Bessie Smith; ou Elizabeth
Catlett, ou Katherine Dunham também – me leva ao título desse ensaio, “Em busca
dos jardins das nossa mães”, que é uma questão pessoal ao mesmo tempo que é
compartilhada, no tema e significado, por todas nós. Eu descobri, enquanto
pensava a respeito do mundo de longo alcance que é a mulher negra criativa, que
frequentemente a resposta mais verdadeira à questão que realmente importa, pode
ser encontrada bem perto.
No final do século XX minha
mãe fugiu de casa para casar-se com meu pai. Casamento, e também fugir de casa,
era esperado de meninas de dezessete anos. Aos vinte anos, ela era mãe de duas
crianças e estava grávida de uma terceira. Cinco crianças depois, eu nasci. E
foi assim que eu conheci minha mãe: era uma mulher grande, suave, de olhos
amorosos que raramente ficava impaciente. Seu temperamento rápido e violento só
aparecia algumas vezes por ano, quando ela brigava com algum senhorio branco
que sugeria que os filhos dela não deveriam ir para a escola.
Ela fez todas nossas
roupas, até os macacões dos meus irmãos. Ela fez todas as toalhas e lençóis que
usamos. Ela passava o verão fazendo conservas de vegetais e frutas. Ela passava
as tardes de inverno fazendo colchas para cobrir todas as nossas camas.
Durante o “expediente”, ela trabalhava ao lado – não atrás – do meu pai nos campos. Seu dia começava antes do sol nascer e não terminava até tarde da noite. Não havia momento para ela se sentar sem ser perturbada, para desenrolar seus próprios pensamentos pessoais; não havia tempo livre de interrupções – de trabalho ou dos pedidos barulhentos dos seus muitos filhos. E mesmo assim, foi na minha mãe – e todas as nossas mães que não eram famosas – que eu fui buscar o segredo que alimentou aquele espírito criativo amordaçado e frequentemente mutilado, mas vibrante, que as mulheres negras herdaram e que ressoa em lugares ermos e improváveis até hoje.
Mas quando, você me
pergunta, minha mãe sobrecarregada tinha tempo para pensar e se importar em
alimentar seu espírito criativo?
A resposta é tão simples
que muitos de nós passaram anos encontrando. Nós procuramos no alto, quando
devíamos ter procurado em todos os lugares possíveis.
Por exemplo: no Instituto
Smithsoniano em Washigton, D.C, está uma colcha que não parece com nenhuma
outra no mundo. Em imagens caprichosas e inspiradas, ao mesmo tempo que simples
e familiares, a colcha retrata a história da Crucificação. Ela é considerada
rara, de preço imensurável. Embora ela não siga nenhum padrão de costura de
colchas, apesar de ser feitas de trapos singelos, é obviamente o trabalho de
uma pessoa de imaginação poderosa e profunda espiritualidade. Abaixo dessa
colcha eu vi uma nota que dizia que ela tinha sido feita por “uma mulher negra
anônima no Alabama, cem anos atrás.”
Se pudéssemos localizar
essa mulher negra “anônima” do Alabama, ela seria uma das nossas avós – uma
artista que deixou sua marca com os únicos materiais que ela podia bancar, e no
único meio que a sua posição na sociedade permitia que ela usasse.
Como Virginia Woolf escreveu, também, em Um teto todo seu:
Gênios de toda forma devem ter existido entre as mulheres da mesma forma que devem ter existido na classe trabalhadora [Mude para “escravas” e “as esposas e filhas dos arrendatários.”] Eventualmente uma Emily Bronte ou um Robert Burns [mude para “uma Zora Hurston ou um Richard Wright”] resplandece e prova sua presença. Mas certamente nunca foi marcado no papel. Quando, entretanto, alguém lê sobre uma bruxa sendo afogada, uma mulher possuída por demônios [ou “Santidade”], ou uma feiticeira vendendo ervas [ nossos raizeiros], ou mesmo um homem notável que tinha mãe, então acho que estamos no rastro de um romancista perdido, um poeta suprimido, ou uma Jane Austen muda e inglória… Sem dúvida, eu me arriscaria a adivinhar que Anônimo, que escreveu muitos poemas sem assiná-los, era, frequentemente, uma mulher…
E assim nossas mães
também, mais anonimamente que não, lidaram com sua faísca criativa, a semente
da flor que elas nunca imaginaram ver: ou como uma carta selada que elas não
podiam ler perfeitamente.
Assim também é,
certamente, com minha própria mãe. Ao contrário das canções de “Ma” Rainey, que
mantiveram o nome da sua criadora mesmo enquanto saiam da boca de Bessie Smith,
nenhuma canção carregará o nome da minha mãe. Mesmo assim tantas das histórias
que eu escrevo, que todas nós escrevemos, são as histórias das nossas mães. Só
recentemente eu entendi isso: que com o passar dos anos em que eu escutei as histórias
que a minha mãe contava sobre sua vida, eu não só absorvi as histórias, mas
algo na maneira em que ela falava, algo da urgência que envolvia que suas
histórias – assim como sua vida – deveriam ser gravadas. É provavelmente por
essa razão que tanto do que eu escrevi seja sobre personagens cujos semelhantes
da vida real são tão mais velhos que eu.
Mas a contação dessas
histórias, que vieram tão naturalmente dos lábios da minha mãe como sua
respiração, não foi a única forma que minha mãe se mostrou como artista. As
histórias, também, estavam sujeitas à distração, a morrer sem conclusão. Os
jantares tinham que ser feitos, o algodão devia ser colhido antes das grandes
chuvas. A artista que minha mãe foi e é se desvelou para mim só depois de
muitos anos. E isto é o que eu notei, finalmente:
Como Mem, personagem em A
terceira vida de Grange Copeland, minha mãe enfeitava com flores qualquer
barraco em que nós éramos forçados a morar. E não só a típica prateleira
esfarrapada de zínias. Ela plantava jardins ambiciosos – e ainda planta – com
mais de cinquenta variedades de plantas que floresciam do começo de Março até o
fim de Novembro. Antes de sair de casa para ir para os campos, ela regava as
flores, aparava a grama, e arranjava novos canteiros. Quando ela voltava dos
campos ela ia dividir bulbos, cavar, arrancar e replantar rosas ou podar galhos
dos seus arbustos mais altos ou das árvores – até que a noite chegasse e
estivesse escuro demais para ver.
O que quer que ela
plantasse crescia como mágica, e sua fama de cultivadora de flores se espalhou
por três países. Por causa da criatividade dela com as flores, mesmo as minhas
memórias de pobreza são vistas por uma moldura de flores – girassóis, petúnias,
rosas, dálias, forsítias, espiréias, delfínios, verbenas… e assim por diante.
E eu lembro das pessoas
vindo para o quintal da minha mãe para receberem mudas das flores delas; eu
ouço de novo os elogios que choviam nela porque, independente de quão rochoso
era o solo em que ela chegava, transformava em um jardim. Um jardim com cores
tão brilhantes, com um design tão original e tão magnífico, cheio de vida e
criatividade, que até hoje as pessoas dirigem por nossa casa na Georgia –
perfeitos estranhos e estranhos imperfeitos – e pedem para posar ou andar entre
a arte da minha mãe.
Eu percebo que só quando
minha mãe está trabalhando nas suas flores que ela fica tão radiante ao ponto
de ficar quase invisível – exceto como Criadora: mãos e olhos. Ela está
envolvida com o trabalho que a sua alma deve ter. Organizando o universo como a
imagem da sua concepção pessoal de Beleza.
Seu rosto, enquanto ela
prepara a Arte que é seu dom, é o legado de respeito que ela deixa para mim,
por tudo que ilumina e acalenta sua vida. Ela entrega respeito pelas
possibilidades – e o desejo de agarrá-las.
Para ela, tão limitada e
impedida de tantas formas, ser uma artista ainda é uma parte diária da sua
vida. Essa habilidade de seguir firme, de formas tão simples, é o trabalho que
as mulheres negras tem feito por tanto tempo.
Esse poema não é o
suficiente, mas é alguma coisa, para a mulher que, literalmente, cobriu os
buracos de nossos muros com girassóis:
Eram
mulheres então
A
geração da minha mamãe
Roucas
de voz – Firmes de
Passo
Com
punhos e com
Mãos
Como
derrubaram
Portas
E
passaram ferro em
Engomadas
Camisas
Como
conduziram
Exércitos
Generais
Encurralados
Por
campos
Minados
Cozinhas
Engatilhadas
Para
descobrir livros
Escrivaninhas
Um
lugar para nós
Como
elas sabiam o que nós
Devíamos
saber
Sem
conhecer uma página
Sequer
Por
elas mesmas.
Guiada por minha herança
de amor e beleza e pelo respeito pela força – em busca do jardim da minha mãe,
encontrei o meu próprio.
E talvez na África, mais
de duzentos anos atrás, tenha existido tal mãe; talvez ela tenha pintado
enfeites vivos e ousados, de laranja, amarelo e verde, nas paredes da sua
cabana; talvez ela tenha cantado – numa voz como a de Roberta Flack – docemente
pelas quadras da sua vila; talvez ela tenha tecido os mais belos tapetes ou
contado as histórias mais engenhosas de
todas as vilas de griôs. Talvez ela tenha sido uma poeta – apesar de somente o
nome da sua filha esteja assinado nos poemas que conhecemos.
Talvez a mãe de Phillis
Wheatley também fosse uma artista.
Talvez, para além da vida biológica de Phillis Wheatley, a assinatura da mãe dela esteja evidente.