Tradução: Lourdes Modesto
BRAND, Dionne. A map to the door of no return: notes to belonging. [s.l.]: Doubleday Canada, 2001. p. 3–6.
Uma consideração circunstancial do estado das coisas
Meu avô disse que ele sabia de qual povo nós viemos. Eu tagarelei todos os nomes que eu sabia. Yoruba? Ibo? Ashanti? Mandingo? Ele disse não para todos eles, dizendo que lembraria se escutasse o nome certo. Eu tinha treze anos. Estava ansiosa para que ele lembrasse.
Eu o azucrinei por dias. Ele me disse para que eu parasse de aborrecê-lo que assim ele lembraria. Ou para parar de aborrecê-lo, senão ele não lembraria. Eu o rondava em qualquer lugar em que ele estivesse. Eu o seguia perguntando-o se ele queria que eu fizesse isso ou aquilo para ele, limpar seus óculos, engraxar seus sapatos, trazer o seu chá. Eu o estudava atentamente quando ele vinha para casa. Eu procurava nos pelos cinzentos do seu bigode por qualquer sinal que sugerisse que ele estava prestes a falar. Ele levantava seu jornal Sunday Guardian para bloquear a minha visão. Ele dizia xô!, mandando que eu encontrasse algum livro para ler ou trabalho para fazer. As vezes parecia que Papa estava prestes a se lembrar. Eu imaginava puxar a palavra da língua dele se eu soubesse apenas a primeira sílaba.
Eu vasculhei a biblioteca San Fernando e não encontrei nenhuma outra lista de nomes naquela época. Sem poder encontrar outros nomes, eu só podia repetir aqueles que eu sabia, perguntando a ele se ele tinha certeza de que não era Yoruba, e Ashanti? Eu não conseguia me conter. Eu queria ser qualquer uma das duas. Eu tinha ouvido falar que eles eram um povo nobre. Mas também podia ser Ibo; eu tinha ouvido falar que eles eram gentis. E eu tinha seguido a guerra em Biafra. Eu estava do lado deles.
Papa nunca se lembrou. Toda semana eu perguntava se ele tinha lembrado. Toda semana ele me dizia não. Então eu parei de perguntar. Ele estava desapontado. Eu estava desapontada. Depois daquilo nós vivemos neste desapontamento mútuo. Havia uma rachadura entre nós. Que levou a um tipo de estranhamento. Depois daquilo ele envelheceu. Eu desabrochei. Um pequeno espaço se abriu em mim.
Eu carreguei esse espaço comigo. Com o tempo este espaço mudou de forma e aspecto de acordo com que as questões que ele evocava mudaram de sua aparência e ângulo. O nome do povo de que tínhamos vindo parou de ter importância. Um nome teria conformado uma criança de treze anos. A questão, entretanto, era mais complicada, tinha mais nuances. Aquele momento entre meu avô e eu, várias décadas atrás, revelou uma fenda no mundo. Uma resposta fixa teria consertado esta fenda rapidamente. Eu teria seguido feliz com um simples nome. Eu poderia ter brincado com ele por alguns dias e então deixado de lado.
Esquecido. Mas a ruptura que esta troca com o meu avô tinha exposto era maior que a necessidade de vínculos familiares. Era uma ruptura na história, uma ruptura na qualidade da existência. Também era uma ruptura física, uma ruptura geográfica.
Meu avô e eu reconhecemos isso, e por isso nós ficamos mutuamente desapontados. E é por isso que ele não pode mentir para mim. Teria sido tão fácil ter confirmado qualquer um dos nomes que eu tinha proposto a ele. Mas ele não podia ter feito isso porque ele também defrontou este momento de ruptura. Nós não éramos do lugar em que vivíamos e não podíamos lembrar de onde éramos ou quem nós éramos. Meu avô não podia convocar a visão de uma paisagem ou de um povo que iria somar a um nome. E isso era profundamente perturbador.
Não ter um nome para requerer era não ter passado; não ter passado apontava para a fissura entre o passado e o presente. Aquela fissura está representada na Porta do Não Retorno aquele lugar de onde nossos ancestrais partiram de um mundo para outro; do Velho Mundo para o Novo Mundo. O lugar onde todos os nomes foram esquecidos e onde todos os começos foram remodelados. Em algum sentido desolado, foi o lugar de criação dos Negros na Diáspora do Novo Mundo ao mesmo tempo em que significou o fim dos começos rastreáveis. Começos que podem ser notados por meio de um nome ou do conjunto de algumas histórias familiares que se estendem mais longe no passado do que quinhentos e alguns anos, ou os tipos de começos que podem ser expressos em um nome que sucessivamente delinearam um território ou uma ocupação. Eu estou interessada em explorar a criação deste local — a Porta do Não Retorno, um local esvaziado de começos — como um local de pertencimento ou não-pertencimento.