ANZALDÚA, Gloria. Boderlands – La Frontera: The New Mestiza. San Francisco: aunt lute books, 1987. p. 77-79.

Por la mujer de mi raza/hablará el espíritu.[1]

            Jose Vascocelos, filósofo mexicano, previu uma raza mestiza, uma mezcla de razas afines, uma raza de color – la primera raza sínteses del globo. Ele chamou-a de raça cósmica, la raza cósmica, uma quinta raça que abraçasse as outras quatro maiores raças do mundo.[2] Oposta à teoria da pureza da raça ariana e à política de purezaracial que a América branca pratica, sua teoria é de inclusão. No encontro de dos ou mais rios genéticos, com cromossomos que se “cruzam” constantemente, esta mistura de raças, em vez de resultar num ser inferior, produz cria híbrida, uma espécie mutável e mais maleável, com uma rica piscina de genes. A partir dessa polinização cruzada racial, ideológica, cultural e biológica está sendo feita uma consciência “alien” – a nova consciência mestiça, uma conciencia de mujer. É a consciência das Fronteiras.

Uma lucha de fronteras / Uma luta de Fronteiras

Porque Eu, uma mestiça,

ando frequentemente de uma cultura

para outra,

porque eu estou em todas as culturas ao mesmo tempo,

alma entre dos mundos, tres, cuatro,

me zumba la cabeza com lo contradictorio.

estoy norteada por todas las vocês que me hablan

simultaneamente.

            A ambivalência do encontro de vozes gera estados de perplexidade mental e emocional. O conflito interno gera em insegurança e indecisão. A personalidade dual ou múltipla da mestiça é amaldiçoada pela inquietação psíquica.

            Num estado mental constante de nepantilismo, palavra Asteca que significa estar dividido entre dois caminhos, la mestiça é um produto da transferência dos valores culturais e espirituais de um grupo para outro. Tricultural, monolíngue, bilingue, ou multilíngue, falando um patoá e num estado perpétuo de transição, a mestiça lida com o dilema das raças mistas: a qual coletividade a filha da mulher de pele escura deve escutar?

            El choque de un alma atrapado entre el mundo del espíritu y el mundo de la técnica a veces l adeja entullada. Ninada em uma cultura, apertada entre duas culturas, indecisa entre três culturas e seus sistemas de valores, la mestiça vivencia uma guerra de corpo, uma guerra de fronteiras, uma guerra interna. Como todos os outros, nós vivemos a versão da realidade que nossa cultura revela. Como todos os outros que vivem ou viveram em mais de uma cultura, recebemos mensagens múltiplas, frequentemente opostas. A junção de dois padrões de referência[3] consistentes, mas incompatíveis causa um choque, uma colisão cultural.

            Entre nós e entre a cultura chicana, crenças comuns da cultura branca atacam crenças comuns da cultura mexicana, e ambas atacam crenças comuns da cultura indígena. Inconscientemente, vemos um ataque a nós mesmos e a nossas crenças como uma ameaça e tentamos bloquear com uma contraposição.

            Entretanto, não é suficiente ficar na margem oposta do rio, bradando perguntas, desafiando as convenções brancas e patriarcais. A contraposição prende a pessoa num duelo entre opressor e oprimido; presa num combate mortal, como um policial e um criminoso, ambos reduzidos ao denominador comum da violência. A contraposição refuta as visões e crenças da cultura dominante e, por isso, é altivamente desafiadora. Toda reação é limitada e dependente daquilo que se está reagindo. Pois a contraposição se origina de um problema com autoridade – externa e interna – é um passo rumo à liberação da dominação cultural. Mas não é um modo de viver. Eventualmente, no nosso rumo a uma nova consciência, nós teremos que abandonar a margem oposta do rio, curar de alguma forma a divisão entre dois combatentes mortais para que possamos estar em ambas as margens ao mesmo tempo e, ao mesmo tempo, ver pelos olhos da serpente e da águia. Ou talvez nós vamos decidir nos libertar da cultura dominante, declará-la como uma causa perdida e cruzar a fronteira para um território novo e separado. Ou podemos seguir outra rota. As possibilidades são inúmeras, uma vez que decidamos agir e não reagir.


[1] Este é meu “pastiche” da ideia de Jose Vascocelos. Jose Vascocelos, La Raza Cósmica: Missión de la Raza ibero-Americana  (México: Aguilar S.A. de Ediciones, 1961).

[2] Vascocelos.

[3] Arthur Koestler chamou de “bisociação” Albert Rothenberg, The Creative process in Art, Science, and Other Fields (Chicago, IL: University of Chicago Press, 1979), 12.